Uma caminhada de três dias sobre dunas entremeadas por lagoas através do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses
A travessia do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, que fizemos em julho de 2025, é uma caminhada um tanto incomum. São três a seis dias (dependendo do trajeto escolhido) andando sobre dunas entremeadas por belas lagoas e dormindo em redários nos oásis. O vento e os frequentes banhos nas lagoas aliviam o calor constante. Durante a travessia, o sinal de celular é quase inexistente e os únicos veículos motorizados são alguns quadriciclos que abastecem os povoados entre as dunas.
Embora a caminhada em si seja fácil, ela tem uma logística complexa que envolve transportes em caminhonetes e barcos, além de pernoites nos oásis, que devem ser reservados previamente, assim como as refeições. Fizemos essa travessia de forma independente, sem contratar uma agência ou guia turístico. Então, tivemos de reservar esses serviços nós mesmos. Segue um breve relato e algumas dicas para quem também quiser percorrer os Lençóis Maranhenses a pé.
Parte 1 — Nossa experiência nos Lençóis

Fizemos a travessia dos Lençóis Maranhenses em três dias, num grupo de seis pessoas — três homens e três mulheres com idades entre 35 e 65 anos. Iniciamos no povoado de Atins, no município de Barreirinhas, MA, e terminamos em Santo Amaro do Maranhão. Pelo caminho, pernoitamos em redários nos oásis Baixa Grande e Queimadas e também no vilarejo de Betânia, na borda sul dos Lençóis.
Para chegar a Atins, fretamos uma lancha em Barreirinhas, onde deixamos nosso carro. A área do porto em Barreirinhas tem diversos restaurantes e é bastante agradável num fim de tarde ensolarado. De lá, há transporte regular em barco para Atins, mas é preciso comprar a passagem com antecedência, já que os barcos tendem a lotar em épocas de muito movimento. Quando chegamos lá, já não havia mais passagens para o dia seguinte.
A lancha que fretamos navegou por pouco mais de uma hora pelo Rio Preguiças até uma praia fluvial em Atins, de onde uma caminhonete nos levou às respectivas pousadas (nosso grupo acabou dividido entre duas pousadas em Atins). Fomos à praia fluvial do vilarejo, que tem diversos restaurantes e é muito procurada para kitesurf. Lá, contratamos um barqueiro para nos levar à margem leste do rio, onde há mais alguns restaurantes e muito menos gente. Terminamos o dia com um belo pôr do sol na beira do rio.
Dia 1 — Duna da Bandeira a Baixa Grande
Para iniciar a caminhada, optamos por ir em caminhonete (um percurso de cerca de uma hora) até a Duna da Bandeira, próxima à foz do Rio Preto. Lá, começamos a caminhar em direção ao oásis Baixa Grande. É o que a maioria dos caminhantes faz, embora seja também possível sair caminhando diretamente de Atins. A caminhonete nos apanhou às 5:10 na pousada e nos deixou uma hora depois sobre a Duna da Bandeira.
Do alto dessa duna, víamos ao longe árvores dos oásis Baixa Grande (nosso destino no primeiro dia) e Queimadas (onde dormiríamos na segunda noite). Começamos a andar às 6:20 e caminhamos pouco mais de duas horas até Baixa Grande. Passamos por algumas lagoas secas e outras com água, onde fizemos algumas paradas para nos refrescar. Pelo caminho, encontramos outros grupos de caminhantes. Em geral, esses grupos incluíam algum guia local. Nós éramos uma exceção, já que éramos nossos próprios guias.
Pode-se caminhar em quase qualquer lugar nos Lençóis Maranhenses. Os únicos obstáculos são as lagoas e os oásis, onde é preciso encontrar a entrada correta e seguir as trilhas existentes. Nas dunas, não há propriamente uma trilha. Cada grupo escolhe o caminho que preferir. Muitas vezes, durante a travessia, havia a opção de andar pelo alto das dunas, margear uma lagoa ou mesmo atravessá-la com água pelo joelho ou pela cintura — o que acabava sendo bastante agradável, além de inusitado.
Em Baixa Grande, nos hospedamos no redário Dona Dete, onde havíamos reservado o pernoite e as refeições. Esse redário é bastante grande e tem Wi-Fi e tomadas para carregamento de celular. Depois de tomar posse das nossas redes e confirmar o horário do almoço, fomos nadar num riacho próximo. À tarde, esperamos o sol baixar um pouco e fomos, pelas dunas, nadar em uma lagoa. Com o calor maranhense, é geralmente mais agradável estar dentro da água que fora dela. Na volta, ainda observamos o pôr do sol do alto de uma duna.
Dia 2 — Baixa Grande a Queimada dos Britos

Saímos de Baixa Grande pouco depois das 6:00. De lá, são cerca de duas horas e meia de caminhada até o oásis de Queimadas. Nesse dia, porém, paramos por mais tempo nas lagoas e fomos chegar só na hora do almoço. Esse oásis costuma ser dividido em duas partes — Queimada dos Britos e Queimada dos Paulos. Mas é difícil apontar onde começa cada uma dessas áreas. Alguns mapas mostram o redário Recanto dos Lençóis (mais conhecido como Redário do Netão), onde ficamos, na Queimada dos Paulos. Mas os proprietários — o casal Neto e Rosa e sua filha Jamila — sempre se referiam ao local como Queimada dos Britos.
Há uns dez redários em Queimadas. Aquele em que ficamos é relativamente pequeno. Não tem tomadas para carregamento dos celulares na área das redes, mas a proprietária nos deixou usar uma tomada num cômodo anexo à cozinha. Também não tinha Wi-Fi quando estivemos lá, mas os donos nos disseram que estavam providenciando acesso à internet via Starlink. De qualquer modo, permitiram que usássemos a rede Wi-Fi de uma casa próxima. Na tarde em que chegamos lá, fomos nadar numa lagoa dentro do próprio oásis. Alguns turistas ainda caminham cerca de 1 km para ver o pôr do sol do alto de uma duna, mas nós não fomos lá nesse dia.
A comida nos redários que ficam dentro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é um tanto monótona. Em geral, há baião de dois (arroz misturado com alguns grãos de feijão), macarrão sem molho e algum tipo de proteína animal, que pode ser frango, peixe ou carne bovina. Também costuma haver cerveja e refrigerantes à venda. O café da manhã inclui café com leite, bolachas e, às vezes, ovos mexidos e alguma fruta.
O abastecimento dos redários é feito por meio de quadriciclos que viajam pelas dunas transportando carga e moradores dos oásis. Já a energia elétrica vem de painéis solares.
Dia 3 — Queimada dos Britos a Betânia
No terceiro dia de caminhada, novamente saímos pouco depois das 6:00 e caminhamos em direção ao vilarejo de Betânia, aonde chegamos na hora do almoço. Nesse trecho há lagoas grandes, como a Lagoa do Junco, frequentada por grupos de turistas que chegam de Santo Amaro em caminhonetes. A distância foi um pouco maior nesse dia (uns 15 km) e fizemos paradas mais longas nas lagoas. Na verdade, não adianta ter pressa de chegar aos oásis, já que não há muito o que fazer neles. É melhor aproveitar as lagoas pelo caminho.
Notamos que alguns grupos saem muito cedo das Queimadas — alguns deles, por volta de 3:00. Mas isso nos pareceu desnecessário, já que as distâncias a percorrer são relativamente curtas. Só vale se você estiver com muita vontade de caminhar no escuro. Como fizemos a travessia com lua nova, não havia nem mesmo luar para iluminar o caminho dos que partiram de madrugada.
Na chegada a Betânia, contratamos um barqueiro para atravessar um trecho de lagoa (mas desconfio que teria sido possível ir a pé). Do ponto onde ele nos deixou, caminhamos até o redário e restaurante Rancho Carimbó, onde nos hospedamos. Lá, o abastecimento é feito por caminhonetes vindo de Santo Amaro. Por isso, o restaurante oferece um cardápio bastante mais variado que aquele dos redários dentro do Parque Nacional. Almocei um ótimo camarão ao leite de coco.
À tarde, atravessei o rio em frente ao redário, subi numa duna e fui nadar numa lagoa atrás dela. Havia muitos turistas lá. Na volta, ainda aproveitei para ver mais um pôr do sol do alto da duna. Na manhã seguinte, uma caminhonete nos levou a Santo Amaro, de onde pegamos um táxi para Barreirinhas, onde havíamos deixado nosso carro.
Parte 2 – Dicas

A logística complexa, que exige reservas prévias nos redários e transportes em barco, caminhonete e táxi, é a principal dificuldade na Travessia dos Lençóis Maranhenses. Quem preferir pode fazer essa travessia com uma agência de viagens, que vai cuidar das reservas, além de designar um guia para acompanhar os caminhantes. Seguem algumas dicas para quem quiser caminhar de forma independente, como fizemos. Todas as informações são de julho de 2025 e algumas delas podem estar desatualizadas quando você fizer a travessia.
Informações gerais
- A melhor época para visitar os Lençóis Maranhenses vai de maio a setembro, quando as lagoas estão cheias e chove pouco.
- O rumo normal da travessia é de leste para oeste, a favor do vento. Fazê-la ao contrário, iniciando em Santo Amaro, seria penoso, já que o lado oeste das dunas geralmente tem ladeiras íngremes de areia muito solta. É muito mais fácil descer por essas ladeiras do que subir por elas.
- Fiz a travessia quase o tempo todo descalço. Usei sandálias nos oásis, onde o chão às vezes tinha folhas e espinhos. Outras pessoas em nosso grupo usaram meias, sandálias com meias ou sapatilhas de neopreno — e parecem também ter se saído bem. Não chegamos a um consenso sobre qual é o melhor calçado para essa travessia.
- Havia sinal de celular da Vivo no alto de algumas dunas, mas não de outras operadoras.
Coisas que recomendo levar
A Travessia dos Lençóis Maranhenses pode ser feita com uma mochila pequena, já que não é preciso levar muitas coisas. Eu caminhei com uma de 35 litros e ela estava sempre um tanto vazia. Se você evitar carregar coisas desnecessárias, uma mochila de 25 litros deve ser suficiente. Esta são algumas coisas que recomendo levar:
- Uma roupa para caminhar e nadar nas lagoas, com camisa de mangas longas para proteção solar
- Outra roupa para dormir — uma bermuda e uma camiseta são suficientes
- Uma sandália ou outro calçado — mesmo que você ande descalço nas dunas, convém proteger os pés nos oásis, onde o chão pode ter espinhos e outros incômodos
- Chapéu ou boné — gosto daqueles bonés do tipo “legionário”, com uma cortininha atrás para proteger a nuca e as orelhas do sol
- Óculos escuros
- Protetor solar
- Água e alimentos leves para comer durante a caminhada, como castanhas e barrinhas proteicas
- Capa de mochila, que ajuda a evitar que entre muita areia nela
- Um estojo de primeiros socorros pequeno
- Sabonete pequeno (pode ser um sabonete regular cortado ao meio ou um daqueles de hotel)
- Escova de dentes e tubo de pasta pequeno
- Um recipiente pequeno com creme hidratante
- Uma toalha ultraleve (a que eu levei, da marca PackTowl, pesa 87 gramas)
- Uma lanterna de cabeça
- Um par de bastões de caminhada (quase ninguém leva bastões, mas, para mim, foram muito úteis)
- Celular com aplicativos de navegação e mapas previamente baixados, além do carregador
Coisas que eu levei e não usei
Achei que estas coisas seriam úteis, mas acabei não usando:
- Repelente de insetos — quando estivemos lá, os insetos não nos incomodaram, mas não sei se é sempre assim
- Forro de saco de dormir — os oásis normalmente fornecem um lençol, que é suficiente
- Jaqueta impermeável — só choveu quando estávamos no redário
- Calça — seria para proteção contra insetos no redário; mas, como eu disse, eles não nos incomodaram
- Filtro de água — optamos por comprar água mineral nos redários
- Power bank — havia tomadas nos redários
Percursos alternativos
Seguimos o percurso mais comum da travessia, mas há variantes que podem ser interessantes. Estas são algumas delas:
- Em vez de ir de caminhonete para a Duna da Bandeira, como fizemos, pode-se sair caminhando de Atins e dormir uma noite no local conhecido como Canto de Atins, onde há um redário. De lá, continua-se a caminhada em direção a Baixa Grande. Essa opção alonga a caminhada em um dia.
- De Queimadas, em vez de seguir diretamente para Betânia, a sudoeste, pode-se ir primeiro para Rancharia, na borda sul dos Lençóis, onde também há redários. No dia seguinte, prossegue-se no rumo oeste em direção a Betânia. Essa opção também acrescenta um dia à caminhada.
- É também possível caminhar de Betânia a Santo Amaro em vez de fazer esse percurso de caminhonete. E parece que ainda há a possibilidade de percorrer esse trecho de caiaque, pelo rio.
- Por fim, vimos alguns grupos embarcando na Lagoa do Cedro em caminhonetes (contratadas previamente) em direção a Santo Amaro. Isso encurta o terceiro dia de caminhada e evita o pernoite em Betânia.
Navegação

Para encontrar o caminho nas dunas, usamos os aplicativos Maps.Me, Gaia GPS, Google Maps e Wikiloc, todos com os mapas previamente baixados para consulta offline.
Estes são três roteiros que usamos no Wikiloc (é preciso ter uma assinatura para salvar os roteiros e consultá-los offline):
- Travessia Completa dos Lençóis Maranhenses, de Ju Trekker — de 2018, mas ainda correto
- Costa de Atins para Baixa Grande, de Alex Vervuurt
- Baixa Grande para Queimada dos Britos, de Alex Vervuurt
Estes são dois roteiros que não usamos, mas que podem ser úteis se você resolver fazer o desvio por Rancharia:
- Queimada dos Britos para Rancharia, de Alex Vervuurt
- Rancharia (Malelinho) a Betania (Carimbó), de Jornada Outdoor
Redários
Tanto o pernoite como as refeições nos redários devem ser reservados com antecedência. Seguem os telefones dos redários em que ficamos (os links levam à localização no Google Maps):
- Baixa Grande / Redário Dona Dete — Tel. (98) 99144-7770
- Queimada dos Britos / Recanto dos Lençóis (Redário do Netão) — Tel. (98) 99240-1173
- Betânia / Rancho Carimbó — Tel. (98) 99177-1263
Para obter os telefones de outros redários, você pode perguntar nas pousadas em Atins, nos redários em que se hospedar ou aos barqueiros e motoristas. Nas dunas, as pessoas que passam em quadriciclos geralmente moram nos oásis e também podem dar informações. Além disso, alguns números de telefones podem ser encontrados no Google Maps, no Wikiloc ou no Instagram.
Os preços nos redários são mais ou menos tabelados. Estes são alguns deles em julho de 2025:
- Pernoite com um café da manhã simples — R$ 80
- Almoço e jantar — R$ 80 cada
- Wi-Fi no redário Dona Dete (os outros não cobraram) — R$ 20
- Garrafa de água de 1,5 litro — R$ 10
Somando bebidas, cada pessoa acabava gastando entre R$ 250 e R$ 300 por dia nos redários.
Pousadas
Reservamos pousadas em Barreirinhas e Atins pelo site Booking.com. Ambas nos atenderam bem. Por isso, compartilho os nomes delas aqui:
Barreirinhas — Além de nos ajudar na contratação da lancha para ir a Atins, a equipe da pousada Marcone Lima nos permitiu deixar o carro lá enquanto fazíamos a travessia e não cobrou pelo estacionamento.
Atins — Os proprietários da pousada Estrela dos Lençóis foram prestativos e até nos serviram um café da manhã de madrugada no dia em que iríamos iniciar a caminhada.
Serviços de transporte
Segue uma lista dos transportes que usamos:
Barco de Barreirinhas a Atins — Como não encontramos passagens para o dia em que queríamos ir para Atins, fretamos uma lancha, que custou R$ 900 para seis pessoas. O pessoal da pousada nos ajudou na contratação.
Caminhonete do Rio Preguiças à pousada — O lancheiro chamou uma caminhonete para nós. Pagamos R$ 50 em seis pessoas.
Barco à margem leste do Rio Preguiças — Contratamos o barqueiro na margem oeste do rio. Ele cobrou R$ 20 por pessoa para nos levar e buscar-nos depois.
Caminhonete de Atins à Duna da Bandeira — A pousada em Atins nos ajudou a contratar esse serviço. Pagamos R$ 500 pelo transporte de seis pessoas.
Barco na chegada a Betânia — Contratamos o barqueiro na margem da lagoa. Ele cobrou R$ 5 por pessoa.
Caminhonete de Betânia a Santo Amaro — O pessoal do redário Carimbó nos colocou em contato com o motorista. Não tenho certeza sobre o preço, que deve ter ficado em R$ 150 por pessoa ou um pouco menos.
Táxi de Santo Amaro a Barreirinhas — A pousada em Barreirinhas nos passou o contato do taxista, que cobrou R$ 370 para levar três pessoas.
Todas as fotos são da autoria de Maurício Grego, exceto quando indicado.